
bordados
Um pouquinho por dia vou me atando nas linhas no bordado.
Nunca imaginei que iria bordar, mas também não imaginei que seria floresta, rios, céu e mar. Os desenhos do caderno migram para os tecido. Comecei a bordar por causa do tempo. O tempo do bordado é diferente do tempo do desenho. É lento, é repetição, é também meditar. É um olhar de contorno porque a linha ocupa um espaço maior que o desenho e brota no tecido um relevo. Dá vontade de passar a mão e sentir as linhas de olhos fechados, elas desenham na pele.
O tecido é mole e enruga quando a linha passa. É como as passagem das pessoas na nossa vida, elas movem a nossa pele, as vezes nos enrugam, outras nos esticam, as vezes só ficam ali, existindo em nós, silenciosas.
Comecei com os paninhos de algodão cru, depois com os tecidos encontrados no ateliê, depois as cortinas velhas que foram trocadas por outras novas. Esse tecido das cortinas está tão velho que se desfaz quando eu bordo, abre buracos, rompe as fibras e me faz bordar mais sobre a superfície criando relevos ainda maiores. Tive que aprender a lidar com ele, entender o gesto e a delicadeza de cada encontro da linha, da agulha e do tecido.
Abrir os bordados é como me deleitar no tempo das Madeleine de Proust, ou no tempo dos aromas de Byung-Chul Han.
O tempo do bordado é outro. Outro gesto, outra forma de expressar, outro corpo. Porque a gente borda com o corpo não só com a mão. O movimento de bordar está no corpo, na respiração e em um gesto que se demora.

Bordar é resistir. É se demorar. É criar encontros. É abrir espaço para serenar, se esvaziar e se preencher de energia.
Bordar é um gesto afetivo e erótico. É deslocar uma linha por um buraco feito por uma agulha, e criar um relevo em uma superfície já existente. É como criar uma paisagem, ou uma espécie de plantação não monocultura.
Quero contar um pouco o que está por traz dessa ideia do bordado.
Eu acredito que precisamos criar corpos mais sensíveis, mais livres. Corpos livres são mais difíceis se controlar, são mais porosos e mais disponíveis para resistir ao plano de controle dos governos e colonizadores que acontece desde sempre, controle de massas, sem que a gente perceba.
O bordado é uma ação política, anti capitalista e que pretende abrir espaço para o sensível. A começar pelo tempo que precisamos para bordar.
O bordado coletivo é uma forma política de estar no mundo. São até 8 pessoas bordando ao mesmo tempo no mesmo tecido, o que envolve regras silenciosas e tácitas de convívio, faz com que as pessoas observem uns aos outros e não só a si próprias, não exige nenhuma habilidade, só a vontade de estar junto, não envolve competição, não tem certo ou errado, por que experimentar é acolher o que vier. Não custa nada, você vem borda e deixa o seu bordado ali no tecido para o espaço, ou a pessoa que acolhe o projeto. Exige desprendimento, amor e colaboração.
bordados coletivos

Os bordados são uma investigação do fazer junto a partir de um proposição que é um convite a vir bordar, sem nenhuma intenção. As regras são: não precisa saber bordar, não pode dar palpite no bordado do outro, não é um lugar de aprendizagem mas de convivência, então não pode ensinar. Aprendendo todos estamos o tempo todo. Sempre é um tecido único que é compartilhado.
2024
praça do vilarejo de igatu, chapada diamantina, ba
livraria candeeiro, campinas, sp
atelie serafina, campinas, sp
kamara kó galeria, belém, pa
2025
bordado itinerante, lençol, rio amazonas, rio tapajós, pa e ateliê casa 3, piracicaba, sp
grupo multitão, unicamp, campinas, sp
grupo uivo, ufu, uberlandia, mg instituto pavão cultural, campinas, sp
Bordar pode ser tecer palavras enquanto as mãos tecem as linhas...
Bordar pode ser existir em relações...
Os bordados são lugares mágicos. De encontros, gestos fortuitos. Sementes de devires floresta.
Fazer floresta é brotar em gestos sensíveis, escritas, desenhos, espaços de convívio e experimentação.
Bordar pode ser se disponibilizar a um enconto com linhas, lãs, agulhas e tecidos.
Bordar pode ser tecer um corpo no outro. Uma dança.
