Agora Eu Ouço Os Sabiás, Valéria Scornaienchi

curadoria Rodriguez Remor
Galeria Arte & Memória - 12 de maio a 18 de junho de 2024
Sobre os dias e o vilarejo. Dispositivos de autoconhecimento e figurações para traduzir os encontros.

Pesam-se as coisas em quilos e em gramas, mas o que as fazem inamovíveis são os pactos e o passado. Seria necessário mudar os gestos, deixar de empurrar com a cintura, levantar uma perna e depois outra, como quando se cruza um alambrado. Esse lugar do outro é difícil imaginar, uma sombra apenas. Mas sabemos que existe, nós o buscamos. FONTES, Claudia. O Pássaro Lento.

À primeira vista e apressadamente poderíamos situar as práticas artísticas de Valéria Scornaienchi na longeva cronologia das relações entre a História Natural e a Arte, afinal seu processo envolve coletas em contextos naturais e a escolha de trabalhar, preferencialmente, com esses materiais. Portanto sua matéria-prima é a natureza. Entretanto suas andanças, coletas e desenhos em nada se aproximam dessa tradição histórica, tampouco Scornaienchi se relaciona com pétalas, folhas, sementes e raízes para somar sua voz ao coro de tantos artistas que trabalham com a natureza para incorporar em suas obras os discursos da denúncia urgente, e necessária, dos crescentes desafios ecológicos do nosso tempo. 

Suas aproximações e coletas não envolvem pesquisas de campo, catalogações de espécies ou discussões sobre botânica. As obras e situações criadas por Valéria Scornaienchi nos convocam a uma pausa e a um adentrar além do epidérmico, da superfície da leitura visual. Sua pesquisa parte do cansaço infinito da interminável busca de sentido e o que ela propõe é que o nosso pensamento se aninhe agora em múltiplas subjetividades, reverberando em outras linhas do tempo e Histórias, não apenas da humanidade, e sim de todos os seres, uma história que abarque toda a vida do mundo. Para ela, conhecer é dar fluxo, curso e movimento a cachoeira de enunciados imprevistos, imprevisíveis, novos em ser, na construção de uma poética prazerosa e impermanente.

Trabalhos que propõem narrativas afetivas, que reavivam memórias distantes e que tecem novas tramas e inventários para futuras lembranças. E que acabam por se constituir em arquivos afetivos temporários – porque a matéria orgânica sempre decai, espelha e sublinha os limites da vida. Em sua prática, Valéria propõe maneiras de reconsiderarmos nossas relações com as espécimes botânicas e o mundo natural, contestando as conexões das artes visuais informadas e reduzidas pela tradição da pintura naturalista e, consequentemente, a serviço do colonialismo, do imperialismo e da exploração dos recursos naturais.

O afeto é a chave de leitura para a compreensão do seu fazer, e elemento furtivo, conceitual, que costura o sentido de suas ações artísticas. 

Moacir dos Anjos, ao analisar a série de Coletas produzidas por Brígida Baltar entre os anos 1994 e 2000, enuncia que “as coletas são ações individuais que deixam, em quem as faz, rastros sensoriais de um momento e de um lugar precisos (temperatura, sons, cheiros) e impressões transientes de estados de sentimento (prazer, medo, melancolia), marcas impossíveis de partilhar plenamente com alguém mais.” E são exatamente os rastros de um momento e de um lugar preciso que nos trazem a esta mostra, que se constitui de referências, encontros, trocas, sentimentos, desenhos, fotografias e coletas realizadas no território expandido do Mirante Xique-Xique, no povoado de Igatu, localizado no contexto da reserva ambiental do Parque Nacional da Chapada Diamantina.

Práticas dotadas de um conhecimento interior, de uma proximidade com os recursos naturais. Em Baltar, aparatos encerram o mundo natural. Enquanto que a escrita e o desenho são as ferramentas de aproximação e moldura para a gramática de elementos da natureza de Scornaienchi. Em suas coletas, a experiência do tato se sobressai, é preciso se concentrar na granulação e na textura das folhas, no sentimento de contato entre o pigmento natural, ora seco, ora oleoso, com o qual ela executa suas pinturas. A umidade das aguadas e também dos materiais naturais que secam em contato com a folha de papel.  

A audição também ganha relevo, metaforicamente e concretamente. De dentro para fora e de fora para dentro, em duplo movimento. 

A voz da artista tem tom sereno, como só poderia ser para alguém tão cuidadosa e madura no trato do mundo, como não poderia não ser, para quem se abre com tanto afeto à experiência do outro, dos não humanos, da natureza e dos materiais. Ouvir, como o título da mostra enfatiza, é atitude diante do mundo cada vez mais rara. É dedicar atenção e tempo ao outro, a toda vida que nos cerca, para além das mazelas e desejos do eu. É frear o julgamento e embarcar na singular experiência de participar de tudo que nos alcança. 

Seu processo de trabalho traduz o que Tim Ingold descreve como: um processo de crescimento. Desde o início de sua prática plástica, de fabricação, Valéria atua como participante entre os materiais ativos do mundo. “Materiais com os quais ela tem de trabalhar, e no processo de fabricação ela ‘junta suas forças’ com eles, unindo-os ou separando-os, sintetizando e destilando, em antecipação do que possa emergir.” Portanto o que distingue as práticas artísticas de Scornaienchi é a extensão de seu envolvimento com os materiais na geração das formas que produz. 

A exposição é um convite ao mergulho em um processo, no diário da artista. Que nesta mostra se apresenta ampliado e toma a forma de um ambiente imersivo. Uma grande instalação na escala do espaço, especialmente criada para a galeria Arte & Memória, Igatu, Chapada Diamantina. Aqui Scornaienchi compartilha sua etnografia de histórias cotidianas, que cruza desenho direto nas paredes, com folhas naturais, perecíveis, ramagens e raízes, somada a recortes de fotografia em diferentes formatos e suportes, além de bordados e objetos apropriados, resultado de encontros relevantes ocorridos durante a experiência na residência artística do Mirante Xique-Xique.

Mais desenhos, agora retroiluminados, que fundem frente e verso do papel, gerando figuras fantasmáticas que não podemos decifrar com tanta facilidade. Eles também escondem ou revelam caligrafias que flutuam pelas paredes sem pautas da exposição. Ah... e os cantos dos sabiás, uma pesquisa sonora que pontua a singularidade de cada timbre dessa abundante família de pássaros que habita todo o nosso território. Eles se espalham na instalação disfarçados em QR codes.

A escrita das paredes desta mostra é a instância mais íntima de expressão da artista que tenta sedimentar acontecimentos e emoções, registrar seus deslocamentos no território e em seu mundo interior. E assim, inicia conversas, dispara perguntas, na busca de acolher observações e opiniões do visitante-leitor sobre os seus dias na comunidade de Igatu. Lá, ela caminhou com a mestre Tuninha, liderança local, generosa e disponível, artesã que manufatura mandalas e flores feitas de folhagens recolhidas no Parque Nacional. E foi através desse encontro, dessa confluência, que Valéria pode reconhecer e celebrar a convergência de processos guiados pelo livre exercício da criatividade com os materiais naturais.

Agora Eu Ouço os Sabiás é um espaço que reivindica envolvimento e um vagar tranquilo, que nos convoca a repensar nossa relação com o tempo e a produtividade. É preciso sentir o tato através dos olhos e escutar os pássaros que alçam voo das páginas de seu diário afetivo. A poética da artista convida a um demorar-se nos detalhes, a seguir as linhas traçadas na parede, que se somam aos campos de cores, sobrepostos por palavras, bordados e fotografias, talvez com o desejo de dar pistas aos visitantes sobre os meandros de seu rico mundo interior. Ou talvez para que todos nós partilhemos da atmosfera dessa região remota do Brasil, onde ainda é possível dedicar tempo as conversas com os vizinhos, a um relaxante banho de rio ou simplesmente ouvir o canto dos sabiás. 

Tudo se Refaz

Jardins e ateliês, por alguma razão secreta, mantém muitos graus de afinidade e parentesco. Sentimo-nos enfeitiçados nesses espaços porque neles está contida uma premissa, a duração de tempo, de memória e imaginação. Fora da racionalidade intrépida, movem-se irmanados, cúmplices de uma metamorfose, em ritmo lento, quase invisível a olhos nus. No ambiente de jardins e ateliês tudo pode ser eternamente recombinado. Tudo se Refaz. Não há começos, mas recomeços, renascimentos e recriações.

Esse livro é a tradução poética do acontecimento singular de um jardim, ao se transportar para habitar a mesa de um ateliê. Ao longo de 164 dias,  entre maio e outubro de 2020, Valéria Scornaienchi permitiu que seu espaço de ateliê coexistisse com um pequeno jardim de flores. Colocou-se ali para experimentar – por meio de sua fina observação, fusionada por sua criação artística –, o mundo sob o ponto de vista das plantas. As plantas, como escreve Emanuele Coccia, “que fazem da matéria e do espaço que nos rodeiam um mundo, que reorganizam e rearranjam a realidade tornando-a um lugar habitável e vivível”. As plantas, reitera o autor, são “os jardineiros: são elas que fazem este mundo, elas que conservam este mundo em vida”. 

Ali, na mesa, de forma alquímica, a artista acompanhou sensivelmente a vida das plantas: um buquê de rosas, lírios, astromélias. Colocou-se a sentir o peso, o aroma, a textura e o movimento desse mundo-jardim. Germinando desenhos, fotografias e notações essas percepções dos rastros das flores desde sua exuberância até o mínimo que poderia restar delas. 

Começou utilizando-se da fotografia para documentar o que havia de mais pleno e preenchido dessas flores, com suas pétalas e folhas. Com o passar dos dias e dos meses, lançou mão do seu delicado desenho minimalista para expressar o que ia restando, o mínimo de matéria desses seres vivos, suas porções aéreas, suas inclinações, contorções seus balés, seus movimentos libertários e silenciosos.  

Investigando poeticamente essas pequenas partículas vegetais através do desenho e da própria materialidade das plantas que envelheciam, reproduzidas digitalmente com inversões cromáticas, Valeria Scornaienchi se deu conta que o estado de desaparição não mais representava para ela a morte das plantas que habitavam o seu jardim-ateliê. Passou a reconhecer nelas, através da imensidão de azuis profundos e coreografias de linhas, que resultavam dessas reproduções cromaticamente invertidas, uma outra dimensão de vida  que se vinculava secretamente a reaparições e recomeços. Neste tempo de observação e convívio intimista, mergulhou nesse universo imaginando a vida das flores que envelheciam não mais meramente condenadas à morte, mas destinadas a uma outra vida, lançada ao imemorial. Pós-pétala.

Assim, Tudo se Refaz tornou-se um livro-processo sobre um pensamento artístico e uma investigação poética acerca da vida vegetal. Uma criação, que descarta qualquer classificação prévia botânica, para adentrar a um fazer que se multiplica em imagens a partir de uma experiência sensível. Um livro cíclico e maleável em que fotografias e desenhos se auto contaminam como linguagem se desdobram nos convidando a circundar, a virar páginas e a olhar por dentro, avistando espessuras de cores que nos deixam entrever coisas nunca terminadas em um estado latente de recomeço. 

Fabiana Bruno, 2022

Garden and studios, for some secret reason, have a high level of affinity and kinship. These places are fascinating, as they contain a premise of time duration, memory, and imagination. Far from intrepid rationality, they move together like accomplices in a metamorphosis, at a slow pace, almost invisible to the naked eye.Inthe environment of Garden and studios, everything can be eternally rearranged. Everything is recreated (tudo se refaz), new beginnings, rebirths, and recreations.

This book is a poetic translation of the singula evento f a Garden that is transported to the table os a studio. For 164 days between may and october 2020, artist valéria scornaienchi allowed her studio to coexist with small Flowers garde, It was a chance for her to experience the world in a Garden perspective, throught teh observation mixed with artistic creation. Plants, according Emanuele Coccia, ‘ turn surrounding matter and espace into a world, a reorganized and rearranged reality, making it a habitable and livabel place’ and are like ‘ gardeners: they are the one who make this world, they are the ones who keep this world alive’ 1

Whatching from her table, the artist sensitively observed the life of plants in na alchemical perspective: a bouquet of roses, lilies, and peruvian lillies, feeling the weight, aroma, texture, and moviment of this Garden-world. Drawings, photographs and notes resulted from perceptions of flowers – from exuberance to the minimun that could left of them.

She began by using photography to document the vigor and freshness of these Flowers, with their petals and leaves. As the days and months passed, she used her delicated minimalista drawing style to express what was left, the minimum matter of these living beings, their aerial portions, inclinations, contortions, tehri ballet, their libertarian and silent movements.

When poetically investiganting these small plant particles through drawing ans materiality of aging plants, digitally reproduced with chromatic inversions, valeria scornaienchi realized the vanishing state no longer meant for her the death of the plants from her Garden-studio. She started to recognize, in the deep blue immensity and choreographies of lines resulting from teh chromatically inverted reproductions, another dimention of life that was secretly linked with recreation and transcendence, during this time od observation and intimate coexistence,, she was immersaed in this universe, imagining the life of Flowers that grew ild, no longer merely condemened to death, but Moving to another life, na imemorial pos-petal life,

Then, tudo se refaz become a process-book about artistic thinking and a poetic investigantion of life. It discards any previous botanical classification, as it is multiplied in images from a sensitive experience that turned into emotion. A cyclical and melleable book in with photographs and drawings contaminate themselves as a language, inviting us to turn pages and look inside, viewing thicknesses of colors that reveal matters and experiences on a latente state od a new beginning.    

Simbologia e diálogo no trabalho de Valéria Scornaienchi

Corvos, uma casa, o ateliê-maquete, colagens sonoras e outras peças por vir configuram o conjunto de trabalhos do projeto artístico “Pelo Avesso” que Valéria Scornaienchi nos apresenta nesta mostra selecionada pelo Fundo de Investimentos à Cultura (FICC) da Secretaria Municipal de Cultura de Campinas. Neste caso em particular, a breve descrição que nos introduz a exposição torna-se fortuita apenas na medida em que a percebemos como incompleta, como sintoma de projeto em curso e em construção, à busca de interação.

O real, o simbólico e o imaginário constituem aqui a tríade que bem pode nos orientar para a leitura do projeto, admitindo-se para tanto, o risco das articulações entre arte e inconsciente, risco este tal qual o empenhado pela artista em seu processo de criação desses trabalhos. A espessura de cada um desses campos e personagens envolvidos e ou estimados para a proposta, por si, nos sinaliza que a tarefa vale a pena.

Projetados em (sobre)voo, os elementos trabalhados por Valéria na origem do projeto: os corvos, a casa, bem como o próprio ateliê-maquete construído com a ambivalência possível entre lugar-para-diálogo-com-outros-públicos e objeto-obra desempenham múltiplos papéis plásticos e poéticos adensados por sua modulação no espaço, seja ele dentro da própria folha de papel, seja no lugar expositivo em que são instalados, deitados que estão, sutilmente, sob os eixos da plataforma expositiva onde estabelecem distintas formas de gravitação.

Nesta direção, o tratamento aqui aplicado para o elemento do peso com o qual Valéria constrói os trabalhos (à priori) ou os multiplica_ constituindo o que poderia ser entendido como espécie de objetos visitantes_ nos chama a atenção por oscilarem entre o real e o imaginário convidando-nos a recobrar nossas memórias sobre figuras imagéticas que de maneira geral habitam nossos referenciais culturais. Não por acaso, este projeto da artista expande a presença de figuras culturais conhecidas que são envolvidas em narrativas criadas por ela, em seus projetos artísticos, de modo subjetivado. Antes, a Alice; a série de bichos, agora os corvos. 

Neste projeto atual, o corvo é protagonista animado de uma narrativa nada linear que evidencia sua presença de diversas formas, para além da visualidade. É visitante oportunista que parece sustentar o peso da casa, ao mesmo tempo em que a revela e concretiza na paisagem. Ora é real, ora é lembrança. A artista o apresenta de modo múltiplo: esquemático como uma sombra; extremamente delineado como numa imagem de registro fotográfico. São pássaros que assumem tantas formas quanto o próprio looping empregado em parte das peças expostas (vídeo e instalação). Assim, ora eles se condensam em imagem ou som, ora são simbologia. 

Por sua vez, a estrutura da casa e o ateliê-maquete ocupam o protagonismo das coisas inanimadas que igualmente constroem a narrativa imaginada pela artista. Como abrigos, indicam temporalidades distintas; estão, no tempo presente, a servir como elementos reais, mas o fazem de modos também diferentes: a casa consolida o cruzamento entre o simbólico e o imaginário de visitas a outras terras e antepassados e não pressupõe o seu uso. O ateliê-maquete articula e assim convida à participação que pode garantir a manutenção do processo do trabalho, em construção, mesmo durante o período expositivo, reiterando assim, sua transitividade. 

Em processo é que se instaura o diálogo do projeto “às avessas” pela escuta do outro como sinal claro de submissão do real pelo imaginário, tal qual nos indicaria Freud em seus estudos sobre a necessidade de distanciamento da psicanálise em relação às teorias associacionistas. Muito distante da mimese, os elementos representados pelo artístico, como executa Valéria, perscrutam o vigor da lembrança, tanto quanto evocam o capital cultural simbólico partilhado por muitos. 

O dado gravitacional desses elementos concretos ou imaginários burilados por ela é elaborado de modo sofisticado e fragmentado, tal qual nos demanda a estória delongada à qual nos entregamos por bom tempo a fim de participar, de algum modo, de seu desfecho. 

Como numa estória a ser inventada, a atividade participativa desse espaço de trabalho criado dentro da exposição convida, no tempo real, à sua continuidade estendida no espaço, nos arranjos possíveis para as peças que dela fazem parte. Ao propor a abertura do ateliê reconstruído sob a forma de uma maquete que recebe a visita ativa dos outros, a artista indica pelo menos duas premissas sobre si: a primeira demonstra seu ritmo de trabalho, seu empenho e entrega; já a segunda, nos aponta para seu desejo de participação, disponibilidade de escuta e compartilhamento para outros núcleos, sistemas e circuitos como os que a contemporaneidade artística pode nos ofertar. 

Sylvia Furegatti
Outubro.2018

Symbology and dialogue in the work of Valéria Scornaienchi

Crows, house, studio/model, sound collages and other pieces to come configure the set of work of art project Inside Out presented in this exhibition selected by the FICC (Foundation of cultural investment of Campinas) of the City Department of Culture of Campinas. In this particular case a brief description that introduces us to the exposition becomes fortuitous only as far as we perceive it as incomplete, as symptom of a project under way and under construction, seeking for interaction.

The real, the symbolic and the imaginary are the triad that can guide us to the reading of the project, thus admitting the risks of articulation between art and un‐ consciousness, a risk that is taken by the artist in the process of creating such works. The thickness of each of the fields and characters involved and or estimated for the proposition, signals us that the task is worth it.
Projected in (over) flight, the elements worked by Va‐ léria in the origin of the project: the crows, the house, as well as the studio/model built with the possible ambivalence between place-for-dialogue-with-different publics and object-work play multiple plastic and poetic roles densified by their modulation in space, either on the sheet of paper or in the exhibition space where they are installed, which are subtly under the axes of the exhibition platform where they establish different forms of gravitation.

In this direction, the treatment applied here to the element of weight with which Valeria constructs the works (a priori) or multiplies them constituting_ what could be understood as kind of guest objects_ calls our attention by oscillating between the real and the imaginary inviting us to recover our memories of imagery that generally inhabit our cultural references. No coincidence, this project expands the presence of known cultural figures which are involved in narratives created by the artist in her projects. First Alice; then the series of animals, now the crows.

In this current project, the crow is an animate protagonist of a nonlinear narrative that evidences its presence in diverse forms, beyond visuality. It is an opportunistic visitor who seems to support the weight of the house, while revealing and materializing it in the landscape. Sometimes it is real, others it is memory. The artist presents it in a multiple way: schematic as a shadow; extremely delineated as in a photographic image record. They are birds that take as many forms as the looping employed in part of the exposed pieces (video and installation).
Hence they either condense into image or sound, or they are symbology.

The structure of the house and the studio/model occupy the leading role of inanimate things that also build the narrative imagined by the artist. As shelters, they indicate different temporalities; they are in the present time serving as real elements, but in so many different ways: the house consolidates the intersection between the symbolic and the imaginary of visitations to other lands and ancestors and does not presuppose its use. The studio/model articulates inviting participation that can guarantee the maintenance of the work process, under construction, even during the exhibition period, thus reiterating its transitivity.

Along the process the dialogue of the "inside out" project is established through to the other’s listening as a clear sign of submission of the real by the imaginary, as Freud would indicate in his studies about the need for distance of psychoanalysis from associationist theories. Far from mimesis, the elements represented through art, as Valeria performs, examine the strength of remembrance as well as they evoke the symbolic cultural capital shared by many.

The concrete or imaginary gravitational aspect of these elements, worked by the artist, is elaborated in a fragmented and sophisticated manner as in a never ending story into which we plunge for endless hours in order to somehow participate in its outcome.

As in a story to be invented, the participative activity in the workshop created by her inside the exhibition, invites in real time for its extended continuity in the space.

In proposing the opening of the reconstructed studio in the form of a model that receives the active visit of the others, the artist indicates at least two premises about herself: the first demonstrates her rhythm of work, her commitment and allegiance; the second one, points out her desire of participating, listening and sharing availability to other nuclei, systems and circuits as the such offered by contemporary art.

Sylvia Furegatti October/2018

...... é o processo
Valéria Menezes e/ou Valéria Scornaienchi.                                        

La vasta noche no es ahora otra cosa que una fragancia. Jorge Luis Borges


Valeria Menezes traz de seus sonhos uma nova forma de representar, inventa sua própria língua/linguagem/discurso/processo. Uma língua de algum modo estrangeira como colocou Proust.  Nesses sonhos, onde o silêncio também é cúmplice, mesmo que no inconsciente de todos há um desejo imenso por conflito. E esses conflitos na artista expandem-se na energia em suas obras. Essa energia de seus sonhos aparece em concomitante relação às energias intermediárias do antes e o depois, um processo. Como um caleidoscópio que desenha e redesenha as composições configuradas em conexões reflexivas, materializadas em cartografias constantemente reinventadas e inacabadas. A pluralidade de suportes, modalidades, sintaxe interna dos processos executados e os dispositivos resultantes esclarecem essas conexões adirecionais e atemporais, evidenciada também e como parte intrínseca dos recursos estéticos de Menezes nos títulos das obras e séries: CAMINHO, ENTRE ABERTO, NEM SEMPRE SILÊNCIO, NUNCA  MAIS,... Os pecúlios investigativos da artista encanastram sequências abertas e locupletas na pesquisa e consequentemente nos influxos estéticos “que se entrelaçam, na aura, a onipotência do olhar e a de uma memória que se percorre como quem se percorre, como quem se perde numa “floresta de símbolos”. Como negar, com efeito, que é todo o tesouro do simbólico – sua arborescência estrutural, sua historicidade complexa sempre relembrada, sempre transformada – que nos olha em cada forma visível investida desse poder de levantar os olhos?

Ao compor suas composições musicais, a artista, manipula as referências textuais para elaborar uma escrita própria; semântica e gramaticalmente particulares, com aquela intermitência entre frames [de Didi-Huberman]. Musicas que calcorreiam os caminhos complexos dos processos de criação visual que eficientemente a artista delineia em trajetos progressivos arquitetados aos diversos e possíveis agentes evocados e instilados.

Assim Menezes na formulação e realização de seus manifestos estéticos estabelece-se diligentemente como “[...]toda obra é uma viagem, um trajeto, mas que só percorre tal ou qual caminho exterior em virtude dos caminhos e trajetórias interiores que a compõem, que constituem sua paisagem ou seu concerto”.  Revelam-se assim, processos que germinam também da literatura e da filosofia, acarando o caos e elaborando conceitos conscientes, sem renunciar ao infinito, sem referencias peremptórias, sobejando funções ou mais ainda sensações, sem serem nenhuma delas protagonistas, e si em plenas relações processuais.

Encontros com Alice, 2015. Aquarela, gouache, recortes de revista e de livros antigos, renda de papel, impressão adesiva e papel. 76x56cm, Coleção da artista

São as fragrâncias resultantes dos processos da artista compostas pelos rastros escuros do voo dos corvos, pelas sombras das luzes, pelos demônios dos sonhos, dos mistérios e sortes, a infinidade imensurável das cores e proporções elucidadas (das palavras ditas ou evocadas) que exalam numa escrita multimodo as grafias de NUNCA MAIS3 e de Perímetro Urbano. A primeira como aparelhagem visual para a exposição Nunca Mais, de 20/11/2016 a 19/12/2016, na Galeria de Arte da UNICAMP, e Perímetro Urbano, resultado de uma amalgama de procedimentos e recursos para explorar a imagem como via de comunicação, da cidade expandida à expansão revertida [e como ingrediente dela] para a própria cidade, doada à coleção do Museu Universitário de Arte, MUnA, da Universidade Federal de Uberlândia –UFU – pelas comemorações dos 20 anos do museu mineiro.

Andrés I. M. Hernández
Curador.

...it is a process.
Valéria Menezes and/or Valéria Scornaienchi

"La vasta noche no es agora otra cosa que una fragrance" The enormous night is now nothing more than a fragrance. Jorge Luiz Borges


Valeria Menezes brings from her dreams a new form of representation, creates her own tongue/language/discourse/process. A language as a foreign language to quote Proust. In these dreams, when silence is also accomplice, even though in everybody's unconscious there is an immense desire for conflicts. And these conflicts, for the artist, expande as energy in her works. This energy in her dreams appears at the same time in associate relation between the energies of before and after, a process. Such as a kaleidoscope that draws and redraws compositions configured in reflexive connections, materialized from reinvented and unfinished cartography. The plurality of supports, modalities, internal syntax of executed process and resulting devices, clarify these non directional and timeless connections, evidenced also and as an intrinsic part of the aesthetic features of Menezes in the titles of the works: PATH, AJAR, NOT ALWAYS SILENCE, NEVER MORE… The artists investigative annuities  weave open sequences and indulge themselves in research and consequently in the aesthetic inflow wich “intertwine the aura omnipotence of the gaze and of a memory that wanders like one who wanders  as if lost in a forest of symbols. How can one actually deny that this is the whole treasure of the symbolic – its structural arboretum, its complex historicity  always remembered, always transformed – that stares at us in each  visible form vested of the power to raise our eyes? 1

While writing her musical compositions, the artist manipulates   textual references to draft her own writing, her own grammar and semantics, with that flicker between frames (Didi-Huberman). Songs that roam the complex roads of visual creative processes that the artist efficiently delineates in progressive pathways architected to the various and possible evoked and instilled agents. So Menezes, in the formulation and realization of her aesthetic manifestos is established diligently “as every work is a journey, a pathway, but it only roams this or that outer paths due to the interior trajectories and pathways that compose it, which constitute its landscape or its concert." Thus are revealed processes germinating not only from literature but also from philosophy, facing chaos and elaborating conscious concepts, not renouncing to infinity, with no peremptory references, abounding with functions or moreover with sensations, none of them being protagonists and themselves in a full procedural relation.

They are fragrances resulting from the artist’s process composed of dark traces of the flights of crows, the shadows of light, the demons of dreams, mysteries and fortune, the immeasurable multitude of colors and elucidated proportions (of the said or mentioned words) that exude a multimode writing, the spelling of NEVERMORE and URBAN PERIMETER. The first as a visual equipment to Unicamp Art Gallery3 and the latter4, resulting of an amalgam of procedures and resources to explore the image as a means of communication, the expanded city to the reverse expansion [and as an ingredient of it] to the own town; donated to the collection of University Art Museum, MUnA – Federal University of Uberlandia – UFU – for the 20 year celebration of the museum.

Andres Hernández