do paraná ao pará em sensibilidades

Precisei ir ao Paraná para me reencontrar com o Pará
Caminhava na comunidade de pescadores de Ararapira e me sentia na praia do céu, em Soure
As águas serenas da manhã me lembravam que o mar/rio também é céu
Fez renascer o Arapiuns em mim
Ou as manhãs na praia de Joanes
Se me espanto com as memórias do Paraná
É porque dentro delas sinto o Pará

Acho que fui enfeitiçada pelas águas
Acordada em um estado de ser tão dormente
Que pulou de mim uma espécie de lucidez de quem eu já fui um dia e que desapareceu com o tempo
Me dei conta de um corpo tão vivo
Tão vibrante
Que se anestesiou pelo cotidiano da cidade, da vida de afazeres capitalistas
Conquistei tudo que eu quis e perdi o corpo vivo
Morri por dentro enquanto achava que estava chegando em algum lugar
Grande equívoco esse

A vida na ilha do Cardoso ou em Joanes é no fluxo das águas, do vento, da sabedoria da terra

De tantos prédios, casas, comércios escondemos a terra na cidade
Cobrimos os rios e não escondemos o céu porque não foi possível, mas nos fechamos em prédios e construções o dia todo sem pisar na terra, sem ver o dia passar sem sentir as águas do rio.
Eu nunca consegui
Ficava o dia todo imersa nas águas da piscina e acompanhada pelo céu que pra mim sempre teve 180 graus.
Foi o único jeito de viver na cidade sem adoecer
Agora sem a piscina eu acolho no ateliê todos os tempos
Dos rios, das montanhas, das plantas

barra de ararapira, superagui, pr

Eu acordo com o céu na janela do meu quarto
E vejo ele escurecer no ateliê
Clareio e escureço com ele
Eu nunca vou me esquecer de ainda na pandemia ouvir o Carlos Papá, um indígena do povo Guarani Mbya dizer que nós acendemos as luzes na cidade e desaprendemos a lidar com a escuridão, apagamos as nossas sombras
Fugimos da escuridão tão necessária para perceber outras vidas, outros encontros
A humanidade se afasta da floresta porque nela está a vida que a cidade nos roubou
O pulso da terra que foi substituído pela mercadoria
O caos da floresta nos espanta
Nos amedronta
Tudo aquilo que desconhecemos nos amedronta
As pessoas cultuam os jardins colonizados e detestam os selvagens
Olham a floresta, as matas e dizem aqui não tem nada
Desconsideram todas as vidas que não as humanas, todas as 'construções' que não as cidades
E assim vão destruindo mundos, desaparecendo com milhares de espécies enquanto transformam tudo em mercadoria
E compram e vendem o que não tem preço
O que existe para que todos existam
O que é vivo
Porque a terra é viva, é um organismo
Imagine vender uma parte do seu corpo
Um braço, uma perna
É isso que fizemos com o planeta
O consumimos aos poucos
E sabe o mais triste?
É nem nos darmos conta disso
Naturalizamos o ecocídio assim como o genocídio
Eu de repente me vejo tomada de tanta dor que não cabe em mim
Fico me desfazendo dela todos os dias
Me acordo em poemas e desenhos para não deixar o corpo sucumbir

barra de ararapira, superagui, pr

Cuido das plantas enquanto elas cuidam de mim
A única forma de existir no mundo é na relação com a terra que pulsa
E a Amazônia com todas as questões mais complexas e complicadas que nos criamos pra ela, ainda é o lugar onde a terra pulsa mais forte, é o centro do mundo como sempre nos lembra a jornalista Eliane Brum.

Os povos originários veem as montanhas, os rios, as plantas como parentes
Demorei para compreender que essa é talvez a única forma possível de não exterminar com a natureza. É compreendendo a parte de nós, entes da família
Aprendemos a cuidar de quem amamos, de quem temos intimidade, dos mais próximos
Talvez essa seja uma luz
Na medida em que nos tornamos próximos dos rios, mares, florestas, montanhas, vamos ser capazes de parar de fazer cicatrizes na terra para nós deslocar
Para morar
A terra já tem lugar para todos os seres humanos viverem não precisa de mais nada
Não precisa destruir mais nada
Precisa aprender a viver com tudo aquilo que já está
Que já é
Esse é o desafio da humanidade
Olhar de novo e de novo e de novo para o mundo e compreender que tudo já está
Não há nada novo para ser construído
Há um mundo para ser reabitado de forma mais acolhedora
Onde todes caibam nele
Humanos e viventes
Todes

Desabitar as fronteiras
Repensar os espaços
Acolher as diferenças
Sair da zona de conforto
Pode ser a única forma de antecipar o desastre
A doença que já nos acometeu
Que move o mundo medicalizado
Que toda vez que alguém está vivo
Anestesia com remédios
Para acalmar os corpos que querem brotar
Para colonizar
Para adestrar e caber na escola, na vida castrados e ordenada que criamos pra nós
Onde só cabe um tipo de gente
A que obedece

Chegar no Pará, ficar com as florestas e com os rios me acordou para sempre
Me fez pulsar a vida que estava escondida
E agora não sei mais viver sem ela
Sem a abundância de vida que a Amazônia me trouxe de volta
O coração sensível
A alma pulsante
O corpo que vibra
Livre
Leve
Suave
E sempre lúcido

Eu parecia que era assim
Mas descobri que não era
Eu parecia que era assim
Mas acordei a tempo

E falar sobre isso não é cuidar
Não é viver
Não é manter a floresta em pé
Tenho conhecido muita gente que estuda as mudanças climáticas, que lê muitos livros, que se enche de teoria e que na prática segue devastando, colonizando e permitindo que os corpos sigam sendo mortos, maquiando as relações e fingindo estar engajado para com isso lucrar
Inventaram a sustentabilidade para isso
As construções ecológicas
As contra partidas
Os selos que autorizam e não controlam

Não acompanham os processos
Só tem uma forma de viver mais sustentável é acabar com o capitalismo
Mas o mundo vai surgir outro e o capitalismo não vai acabar
As águas vão desaparecer e o capitalismo não vai acabar
As florestas serão devastadas
Sobrarão o gado, alguns humanos e as galinhas
Até que a terra se refaça de nós
A única espécie que é capaz de se autodestruir
Esse texto acabou virando um desabafo talvez um pouco pessimista
Mas a verdade é que ainda assim
A arte pode nos ajudar a salvar a nos mesmos e ao planeta
A arte como forma de viver
De estar no mundo e de se relacionar,
Não o mercado de arte, a arte para o mercado mas
A arte como agrofloresta
A arte como diversidade
A arte como porosidade
A arte como encontro
A arte como experiência
A arte como fluição
A arte como afeto

praia de joanes, marajó, pa

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